sábado, 14 de janeiro de 2017

#63 - TRABALHO, Eduardo Olímpio

é preciso escrever o poema. formar a
palavra. amá-la.
escrever por exemplo o homem e
pôr os testículos à
mostra para confirmação do
substantivo.

é preciso também escrever amor a
tinta da china   preta de
preferência para
maior duração do
coito.

e mar. é preciso escrever mar
navio vaga como quem
semicircula uma foice como quem
desenha uma
gaivota na charneca do
mar.

e é preciso também escrever
medo
para que o poema tenha cãs
e a esperança cresça
prenha
no grito mais secreto das manhãs.

domingo, 8 de janeiro de 2017

#62 - OS EUNUCOS, José Afonso

Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos de torresmos
Defendem os tiranos contra os pais

Em tudo são verdugos mais ou menos
Nos jardins dos haréns ou principais
E quando os pais são feitos em torresmos
Não matam os tiranos pedem mais

Suportam toda a dor na calmaria
Da olímpica mansão dos samurais
Havia um dono a mais da satrapia
Mas foi lançado à cova dos chacais

Em vénias malabares, à luz do dia
Lambuzam de saliva os maiorais
E quando os mais são feitos em fatias
Não matam os tiranos, pedem mais

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

#61 - TARDE DE INVERNO, Fausto José

Sobre o planalto adormecido
Num frio leito de inverno,
Agasalhado de brumas,
Um Sol terno,
Distraído...

De longe, a montanha sombria
Exala uma aragem fria.

Cheira a serra,
A terra,
Morta...

Mas com seu odor mais forte,
Ao apelo do vento norte
Responde
A minha melancolia...


Numa colina humilhada
De chuva, de ventanias,
Crucificado num céu dorido,
Surge um pastor como um vencido.
        Em fila, atrás,
Vem o rebanho humílimo balindo;
        Traz nos olhos a paz,
        A paz grave da serra;
E entre os dorsos compactos, de lã fina,
Paira a sombra primeira aventurosa,
O alvoroço da noite misteriosa,
        O pranto da neblina!...