quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

#58 - MONÓLOGO DUMA ACTRIZ, Ievgueni Ievtuchenko

Diz a actriz: Parece que a velha Tróia foi destruída!
Já não há papéis,
não há papéis daqueles que viravam a minha alma do avesso,
que me esgotavam de vez as lágrimas.
Estou farta desta vida, vou fugir para o campo.

Não há papéis que prestem.
Afogamo-nos no sempapelismo.
Maldita seja a união dos não escritores, não os Escritores.
Os clássicos estão encharcados como um piquete de bombeiros.
Pois não sabiam eles de Hiroxima,
da guerra de Espanha, do ano de 1937
na Rússia, de todas as nossas dores?
Não me digam que isto era impossível de contar...

Já não há papéis que prestem.
E sem bons papéis ficamos sem bússola:
tu sabes como o Universo é pavoroso.
Quando qualquer coisa desliza pelo céu
não haverá saída para essa coisa?

Faz favor, dá-me um bilhete para a estreia.
Faz favor dá-me o meu bem estar.
E papéis para a esquerda,
papéis para a direita...
Eu bebo,
bebo sem vontade, é certo,
mas que querem que faça
quando não há gente, não há papéis que prestem?

Bebe onde estiveres, trabalhador,
e com que copo -- não sei.
Não há papéis que prestem.

Chora, harmónio, em qualquer margem do grande Volga.
Não há papéis que prestem.
E em Fátima camponeses beijam Nossa Senhora, Madona de pedra e dor.
Não há papéis que prestem.

Era um moço de dezasseis anos
e bateram nele como se fosse um bombo.
Não há papéis que prestem.

Ninguém fala das mortes atrozes, mas alguém grita para o juiz. Onde? No futebol!

Não há papéis que prestem.
E sem bons papéis a vida é podridão, mais nada.
Todos nós somos génio no ventre materno,
mas muitos génio possíveis morreram
à falta de bons papéis.
Eu não exijo o sangue de ninguém --
exijo um papel que preste!


(versão de J. Seabra-Dinis
e Fernando Assis Pacheco)

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