Lá vem nhô Cacai da ourela do mar
Acenando a sua desilusão
De todos os continentes!
Ele traz o peito afogado em maresias
E os olhos cansados da distância das horas...
Lá vem nhô Cacai
Com a boca amarga de sal
A boiar o seu corpo morto
Na calmaria da tarde!
Nhô Cacai vem alimentar os seus filhos
Com histórias de sereias...
Com histórias das farturas das Américas...
Os seus filhos acreditam nas Américas
E sabem dormir com fome...
terça-feira, 5 de maio de 2015
#38 - "Lá ven nhô Cacai da ourela do mar", Onésimo Silveira
sábado, 21 de março de 2015
#37 - GLOSA DE GUIDO CAVALCANTI, Jorge de Sena
"Perchi' I' no spero di tornar giammai"
Porque não espero de jamais voltar
à terra em que nasci; porque não espero,
ainda que volte, de encontrá-la pronta
a conhecer-me como agora sei
que eu a conheço; porque não espero
sofrer saudades, ou perder a conta
dos dias que vivi sem a lembrar;
porque não espero nada, e morrerei
no exílio sempre, mas fiel ao mundo,
já que de nenhum outro morro exilado;
porque não espero, do meu poço fundo,
olhar o céu e ver mais que azulado
esse ar que ainda respiro, esse ar imundo
por quantos que me ignoram respirado;
porque não espero, espero contentado.
quarta-feira, 4 de março de 2015
#36 - MAR PORTUGUÊS, Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram!
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram!
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
#35 - CRIOULO, Manuel Lopes
Há em ti a chama que arde com inquietação
e o lume íntimo, escondido, dos restolhos,
-- que é o calor que tem mais duração.
A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que nela
sofrendo, fosses mais humano.
Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,
e a humildade que nasce do desengano...
E deu-te esta esperança desenganada
em cada um dos dias que virão
e esta alegria guardada
para a manhã esperada
em vão...
e o lume íntimo, escondido, dos restolhos,
-- que é o calor que tem mais duração.
A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que nela
sofrendo, fosses mais humano.
Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,
e a humildade que nasce do desengano...
E deu-te esta esperança desenganada
em cada um dos dias que virão
e esta alegria guardada
para a manhã esperada
em vão...
sábado, 17 de janeiro de 2015
#34 - ADAGIO CANTABILE, Carlos Queirós
O cego deu à manivela
Da velha e triste pianola
Que era a alegria da vila:
Mas já ninguém vem à janela...
-- Pois vindo davam-lhe esmola
E ocultos podem ouvi-la.
Da velha e triste pianola
Que era a alegria da vila:
Mas já ninguém vem à janela...
-- Pois vindo davam-lhe esmola
E ocultos podem ouvi-la.
domingo, 11 de janeiro de 2015
#33 - CANTIGA DE MANA ZEFA, Rui Burity da Silva
Ainda me lembro dela
matrona forte desengonçada
tinha sempre uma oração nos olhos
uma canção nos lábios grossos
dorme menino dorme
oh! oh! oh! oh! oh!
cazumbi não está a vir
mana Zefa tá lh'olhar
tinha ciúme do menino
de quem mana Zefa falava com paixão
um dia perguntei com ansiedade
se o menino seria assim como eu
mana Zefa olhou-me tristemente
e com lágrimas na voz cantou
-- não fala assim meu menino
Deus não faz filho mulato
matrona forte desengonçada
tinha sempre uma oração nos olhos
uma canção nos lábios grossos
dorme menino dorme
oh! oh! oh! oh! oh!
cazumbi não está a vir
mana Zefa tá lh'olhar
tinha ciúme do menino
de quem mana Zefa falava com paixão
um dia perguntei com ansiedade
se o menino seria assim como eu
mana Zefa olhou-me tristemente
e com lágrimas na voz cantou
-- não fala assim meu menino
Deus não faz filho mulato
sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
#32 - "Todo o poeta quando preso", José Craveirinha
Todo o poeta quando preso
é um refugiado livre no universo
de cada coração
na rua.
O chefe da polícia
de defesa de segurança do estado
sabe como se prende um suspeito
mas quanto ao resto
não sabe nada.
E nem desconfia.
é um refugiado livre no universo
de cada coração
na rua.
O chefe da polícia
de defesa de segurança do estado
sabe como se prende um suspeito
mas quanto ao resto
não sabe nada.
E nem desconfia.
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
#31 - GRITO NEGRO, José Craveirinha
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
Mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu irmão
Até não ser mais tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão
Patrão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
Mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu irmão
Até não ser mais tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão
Patrão!
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