domingo, 31 de agosto de 2014

#10 - O ACENDEDOR DE LAMPIÕES, Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões na rua!
Este mesmo que vem imperturbavelmente
parodiar o Sol e associar-se à Lua
quando a sombra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões e continua
outros mais a acender interminavelmente
à medida que a noite aos poucos se acentua
e a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
ele que doura a noite e ilumina a cidade
talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua:
crenças, religião, amor, felicidade,
como esse acendedor de lampiões na rua!

sábado, 30 de agosto de 2014

#9 OS NAVEGADORES, Sophia de Mello Breyner Andresen

Eles habitam entre um mastro e o vento.

Têm as mãos brancas de sal.
E os ombros vermelhos de sol.

Os espantados peixes se aproximam
Com olhos de gelatina.

O mar manda florir seus roseirais de espuma.

No oceano infinito
Estão detidos num barco
E o barco tem um destino
Que os astros altos indicam.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

#8 - O DETRITO DAS ÁGUAS, A. M. Pires Cabral

Neste local, 
o rio avoluma-se inesperadamente.
Alarga-se, alaga
terras que deram milho, casas onde
a fome se amontoou
e foram gerados filhos.

Sobre tudo isso o Douro deposita
o detrito das águas.

Cujo peso sujeita lá em baixo
baixios que perderam a validade.